O sofá de dois lugares, um único corpo. O espelho à frente refletindo a reflexão. Paredes pintadas de verde com uma tinta aguada que deixava o passado visível. O passado incomoda? A face dela não expressava nada, seus olhos profundos estavam preenchidos de vazio. Os pés descalços tocavam o chão frio, gostava daquela sensação. Lembrava de quando era criança e acordava assustada com qualquer coisa e não dava nem tempo encontrar os chinelos, a pressa era maior, ou seria o medo? Corria pra cama dos pais, sentindo o chão frio gelar ainda mais seu coração desconsolado. Sacudiu a cabeça como quem tenta desvencilhar-se das memórias. Sentiu cheiro de café, gostava desse cheiro, mas não tinha fome. Abandonou o corpo no sofá. Olhou o teto, fechou os olhos, perdeu-se na escuridão. Escutou o tilintar de gotas de água na tigela de inox onde o cachorro bebia água. Ficou mais forte. Era chuva. Levantou-se, caminhou até a porta, foi recebida por um vento frio e algumas gotas de chuva que ele trouxe como um ramalhete de respingos. Sorriu. Amava a chuva e o céu cinza lhe alegrava a alma, respirou aquele ar de inverno, voltou pro sofá, mas lembrou-se que tinha que cozinhar o jantar.
Quando eu era criança eu abraçava as pessoas achando que assim podia sarar as suas dores. Os meus medos eram reais, embora não o fossem, porque pra mim eles existiam. Eu transbordava sinceridade, chorava e ria alto sem me preocupar se incomodava ou não, eu era fiel ao meu coração e a tudo que eu sentia. Eu brincava como se a vida fosse feita só de diversão, eu corria e minha energia nunca acabava e eu achava que podia correr até o fim do mundo. Eu não entendia porque as coisas eram tão complicadas, tudo era tão simples pra minha inocência! Eu era muito sensível e tudo me machucava muito, eu chorava pelas minhas dores e muito mais ainda pelas dores dos outros. Eu etendia muito mais as coisas e vida do que hoje...
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